Entrevista da Semana

‘O primeiro passo é sempre desconfiar’, diz delegado sobre crimes virtuais

Mário Furlaneto Neto foi pioneiro na investigação de crimes cibernéticos na Delegacia Seccional de Marília (Foto: Divulgação)

O rápido avanço tecnológico trouxe consigo uma nova e complexa onda de criminalidade, na qual criminosos operam no ambiente virtual. Diante de golpes, fraudes e ameaças que se multiplicam, a atuação da polícia se tornou um pilar fundamental para a segurança digital.

A Polícia Civil de Marília tem se destacado nesse combate, com investigações especializadas que já desmantelaram esquemas criminosos que atingem tanto indivíduos quanto empresas. Nesse cenário, o delegado Mário Furlaneto Neto, especialista em crimes cibernéticos, é referência no enfrentamento dessas infrações.

Pioneiro na cidade, ele integrou o Núcleo de Crimes Informáticos de Marília, criado em 2005 pela Delegacia Seccional, onde centralizou investigações de delitos praticados pela internet. Em 2008, defendeu sua tese de doutorado com o tema “O assunto do e-mail como indício de fraude: contribuições da organização da informação para a prevenção criminal”.

Em entrevista ao Marília Notícia, o delegado falou sobre os crimes mais frequentes, os desafios da investigação digital, a cooperação entre forças de segurança e deu conselhos de prevenção para a população.

***

MN – Quais são os crimes cibernéticos mais frequentes na sua área de atuação e como eles evoluíram nos últimos anos?

Mário Furlaneto Neto – Na região de Marília, os mais comuns são crimes contra a honra, ameaças e estelionatos. Com o crescimento do uso da internet, esse ambiente se tornou propício à prática dessas infrações.

MN – Quais são os maiores desafios da Polícia Civil ao investigar crimes digitais?

Mário Furlaneto Neto – No Brasil, os provedores ainda usam o IP versão 4, o que permite compartilhar o mesmo número entre vários clientes por meio da porta lógica. Porém, os provedores de aplicação não armazenam essa informação, alegando lacuna no Marco Civil da Internet, o que atrasa ou até inviabiliza a identificação da autoria. Além disso, há casos em que o crime envolve outros países, exigindo cooperação internacional para a coleta de provas.

MN – Que tipo de tecnologia e ferramentas forenses são utilizadas para rastrear criminosos e coletar provas digitais?

Mário Furlaneto Neto – Usamos métodos de investigação definidos pela Academia de Polícia, de acordo com o ambiente digital e a modalidade do crime.

Delegado Mário Furlaneto Neto em sala de aula do mestrado da Univem (Foto: Divulgação/Univem)

MN – Como a Polícia se prepara para enfrentar esse tipo de delito?

Mário Furlaneto Neto – A Academia de Polícia oferece cursos específicos sobre crimes digitais, desde a preservação inicial das evidências até técnicas de investigação adequadas a cada infração penal.

MN – Existe cooperação com outros estados e com a Polícia Federal nesses casos?

Mário Furlaneto Neto – Sim. As investigações atuais, sejam de crimes físicos ou digitais, exigem cooperação entre instituições, dentro dos limites que cada caso determinar.

MN – A legislação brasileira é suficiente para abranger os crimes cibernéticos?

Mário Furlaneto Neto – A legislação já protege bens jurídicos relevantes. No entanto, como a internet potencializa os efeitos da infração, seria importante prever um agravante genérico para crimes praticados em ambiente digital. Isso permitiria ao juiz aplicar penas acima do mínimo legal.

MN – Além da repressão, qual o papel da Polícia na prevenção e conscientização da população?

Mário Furlaneto Neto – A prevenção é o melhor caminho. Procuramos divulgar informações educativas em canais oficiais para reduzir o número de vítimas de crimes digitais.

Delegado Mário Furlaneto Neto durante atendimento de ocorrência pela DIG de Marília (Foto: Arquivo Pessoal)

MN – Qual o perfil mais comum dos criminosos cibernéticos? Eles agem sozinhos ou em grupos?

Mário Furlaneto Neto – Normalmente são jovens com conhecimento de informática. Nos crimes contra a honra e ameaças, a autoria costuma ser individual. Já estelionatos, exploração sexual infantil, extorsão e outros delitos – mais graves -, geralmente, envolvem grupos organizados.

MN – Quais conselhos o senhor daria a quem suspeita ter sido vítima de um crime digital?

Mário Furlaneto Neto – O primeiro passo é desconfiar sempre. Não clique em links suspeitos, não atenda ligações de desconhecidos, evite compras em sites não oficiais e desconfie de preços muito baixos. Se for vítima, preserve as evidências com ferramentas de autenticação, ata notarial ou apresentando o dispositivo à polícia. Isso garante mais agilidade e precisão na investigação.

MN – Quais são as tendências futuras em crimes cibernéticos?

Mário Furlaneto Neto – O uso de inteligência artificial para criar deepfakes e fraudes com reconhecimento de voz e biometria deve crescer. Isso pode facilitar golpes, como abertura de contas falsas e estelionatos virtuais.

MN – Como a Polícia lida com crimes envolvendo criptomoedas?

Mário Furlaneto Neto – A Academia de Polícia tem oferecido cursos específicos sobre crimes financeiros que utilizam criptomoedas.

MN – Pode citar um caso de destaque investigado em Marília?

Mário Furlaneto Neto – Desarticulamos um grupo de estelionatários que usava cartões de crédito virtuais em compras online. Os produtos eram entregues em um imóvel alugado e depois revendidos pela internet. A operação resultou em grande apreensão de bens e identificação de todos os envolvidos.

MN – Como a polícia age em casos de vazamento ou roubo massivo de dados de grandes empresas?

Mário Furlaneto Neto – A Lei Geral de Proteção de Dados exige que empresas redobrem cuidados com bancos de dados pessoais. O acesso não autorizado a dispositivos e informações caracteriza crime, pois dados em mãos erradas podem ser usados em fraudes.

MN – Além do prejuízo financeiro, quais os impactos sociais e psicológicos desses crimes nas vítimas?

Mário Furlaneto Neto – Os crimes digitais geram intranquilidade social e impactos psicológicos que variam de acordo com a gravidade do delito, idade e gênero da vítima.

MN – A colaboração com empresas de tecnologia e provedores é essencial nas investigações?

Mário Furlaneto Neto – Sim. O Marco Civil da Internet obriga provedores a armazenar registros de conexão e acesso. Parte desses dados pode ser solicitada pela polícia, e outra somente por ordem judicial. Esses vestígios digitais são fundamentais para elucidar os crimes.

Alcyr Netto

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