O tema da crônica desta semana seria outro. Na verdade, até cheguei a escrevê-la, citando fatos que marcaram um período da minha infância e adolescência, inclusive a constante passagem pelo entroncamento. Tal entroncamento se tornou pivô de uma polêmica nacional, acreditem. Nunca imaginei que aquele ‘pontilhão’, onde em 1986 íamos de madrugada para ver a passagem do cometa Halley – e que voltará por aqui só em 2061 – iria tomar tamanho destaque na democracia brasileira.
Mas deixemos o ‘pontilhão’ para lá, sua polêmica também, e vamos para as veredas da salvação. Aliás, quem me indicou ‘Vereda da salvação’ foi o meu amigo e cineasta Rodrigo Grota. Ao ler Jorge Andrade, Grota associou à trama com ‘Canavial, os vivos e os mortos’, meu romance regional. Ligou para mim e perguntou se eu havia lido Andrade. Confesso que nunca tinha lido o dramaturgo, apenas sabia da sua importância para o teatro brasileiro com algumas peças antológicas, como ‘A moratória’. Nunca havia mergulhado em sua lavra literária.
A partir daí, passei a perseguir Andrade e descubro duas familiaridades: primeiro que, assim como eu, Jorge Andrade é do Interior de São Paulo – é de Barretos – e segundo que temos o mesmo sobrenome, Franco, pois seu nome inteiro é Aluísio Jorge Andrade Franco. Nascido em 1922, faleceu em 1984. Mas entre um ano e outro, escreveu. E muito. Produziu literatura, dramaturgia e se tornou um dos principais escritores da televisão brasileira, ao lado de nomes como Benedito Ruy Barbosa, Janete Clair, Dias Gomes, Ivani Ribeiro, Maria Adelaide Amaral e Walter Negrão. ‘Vereda da Salvação’ é uma das principais peças da dramaturgia nacional, assim como ‘Navalha na carne’, de Plínio Marcos, ‘Vestido de noiva’, de Nelson Rodrigues, ‘Eles não usam black-tie’, de Gianfrancesco Guarnieri, e o infantil ‘Pluft, o fantasminha’, de Maria Clara Machado.
A trama é inspirada em um fato ocorrido numa comunidade de Malacacheta, município de Minas Gerais localizado no Vale do Mucuri a quase 450 quilômetros de Belo Horizonte. Uma manifestação messiânica, ao estilo de Canudos, com Antônio Conselheiro, e Contestado, com o monge peregrino José Maria de Santo Agostinho, ocorreu por lá.
Em Malacacheta os acontecimentos reais surgiram num período de penitência religiosa e a comunidade está retratada na peça de Andrade, peça essa que inclusive foi adaptada ao cinema por Anselmo Duarte, em 1965 com roteiro compartilhado com o próprio Jorge Andrade. Encontrei uma versão da peça num canal no YouTube, encenada pelo grupo Cena Hum, e aproveito para deixar aqui o link: https://youtu.be/NEXMwgMrKh0?si=pvQisgisauVOtj90. Recomendo a montagem, que dialoga com várias questões e assuntos, muitos dos quais ainda persistem no Brasil de hoje. Bom entretenimento e reflexão a todos.
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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (LM Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), [email protected].