Mais ou menos duas semanas atrás recebo a lamentável notícia do falecimento do nosso vizinho lá de Paraguaçu Paulista, o João. Ele, com os irmãos e a mãe dona Mariinha – que está com 97 anos – são nossos vizinhos do lado direito. Contudo, só vivem mesmo no lado esquerdo de nossas vidas, pois é o mesmo lado onde ficam os nossos corações.
Da porta da cozinha da casa da minha mãe – aliás, onde fiz uma das fotos mais emblemáticas da minha mãe, a dona Cláudia – a gente conseguia conversar com o João. Ele, lá da janela da cozinha da casa dele, e nós, aqui da porta, trocávamos algumas palavras. Lembro que num final de ano o João me chamou ali e perguntou se minha mãe iria para a missa. Confirmei que sim e nos despedimos.
Um minuto depois me chamaram para socorrer o João, ele havia desmaiado logo após conversar comigo. Tombou e bateu a cabeça. Ligamos para o Samu, que o socorreu até a Santa Casa de Misericórdia de Paraguaçu Paulista, o mesmo hospital onde nasci 44 anos atrás.
Nos últimos seis anos ficou muito frequente eu passar a véspera de Natal na casa da dona Mariinha, ouvindo as músicas internacionais que tocavam na extinta ‘Chaparral’ – uma discoteca que marcou gerações de adolescentes e jovens de Paraguaçu Paulista. Paulo, um dos irmãos de João, ama música e vem em dezembro passar o Natal e as festas com a família.
Ali, ouvindo música, cantando e tomando uma cerveja com esses amados vizinhos, e principalmente conversando com o Paulo e com a Vânia, esposa dele, acabo sempre fazendo um retrospecto do ano.
O João ficava ali, acompanhando as nossas conversas, ouvindo as músicas. O Luiz também e, na véspera do Dia das Mães deste ano, num sábado, eu e o Luiz ficamos ouvindo as mesmas músicas e lembrando das vésperas dos Natais e dessa, digamos, tradição entre nós vizinhos paraguaçuenses.
Vivi por 19 anos na cidade que fica a 80 quilômetros de Marília e muitos, mas muitos mesmo, dos meus personagens saltam de lá. Candinho, o líder dos bóias-frias, em ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta, Marília, 2022), me surgiu ali.
Bem como o caminhoneiro que dirige caminhão-boiadeiro e que aprendeu a lida de volante com o pai – que não o permitiu ser motorista da Andorinha – também. Recordo que li numa crônica onde o poeta e escritor argentino Jorge Luís Borges (1899-1986) percorria as ruas e os endereços de suas ficções, inclusive ia se deparando com os seus próprios personagens.
Neste mundo borgiano, pela crônica, havia somente um trem: que ia e voltava num único destino. Lá em Paraguaçu há um trem, na verdade uma Maria Fumaça. Agora, não há mais o João, nosso querido e amado vizinho. Mas, João, agora, certamente vive com o Nosso Senhor Jesus, pois conforme está no Evangelho de São Mateus, capítulo 5, no sermão da montanha, “bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus”. Vizinho João, descanse em paz!
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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (LM Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), [email protected].