Fora dos autos: histórias que a vida conta
Juvenal era um sujeito sério. Nascera de uma família pobre e honesta. Trabalhou muito e estudou pouco. Acabou por ser representante comercial de uma grande empresa do Sul do país e passou a ter uma vida modesta, mas confortável.
Casado há mais de vinte anos com Dona Aurora, vieram a ter duas filhas, ambas muito bonitas. A mais nova, então com dezesseis ou dezessete anos, começou um namoro com Daniel, jovem estudante da Faculdade de Medicina local, que viera de Mato Grosso para aqui conseguir o diploma de médico.
E assim, namoram daqui, beijam dali, amasso no portão e outras intimidades até que, naqueles arroubos da juventude, o casal chegou aos “finalmente”. Acontece que o romance, que parecia tão promissor, acabou em rompimento por uma bobagem qualquer.
Entre soluços e lágrimas, a menina procurou o amparo da mãe e contou o sucedido, ou seja, “que não era mais moça”. Juvenal, ao saber da novidade, quase enlouqueceu. No primeiro momento pensou em matar o rapaz, que segundo ele, desonrara sua menina.
A seguir, planejou contratar alguém para dar uma surra no ofensor da honra alheia e finalmente abandonou as ideias de violência e resolveu processar Daniel pelo crime de sedução (que na época ainda existia no Código Penal).
Contratou advogado que requereu a instauração do inquérito, com todas as formalidades. Submeteu-se a vítima ao exame de corpo de delito, constatando-se a consumação do crime; ouviram-se testemunhas e a ação penal foi proposta contra o rapaz.
Juvenal, porém, inconformado com a demora do andamento do processo e indignado com aquilo que seria a maior ofensa que sofrera na vida, procurava semanalmente o advogado para exigir providências. O causídico, então, explicava que o processo tem trâmites que precisam ser obedecidos. As audiências são espaçadas e ele deveria ter paciência.
E a cada vez que procurava o advogado para saber do andamento das coisas, trincava os dentes de ódio do ex-futuro genro.
Finalmente, o processo atingiu o ápice. As provas foram colhidas regularmente. Ficou demonstrado que, de fato, o sedutor agiu valendo-se da “inexperiência” da vítima e abusando de sua “justificável confiança”, nos exatos termos então preconizados pelo Código Penal vigente na época.
Porém, alguns dias antes do processo subir para a apreciação do Juiz, que então daria a sentença, Juvenal procurou novamente o advogado. E, meio comovido, com ar piedoso, disse o seguinte: “Doutor, eu sonhei com o Papa na noite passada e ele mandou eu perdoar os inimigos. Como sou católico e respeito as coisas da Igreja, vou seguir a ordem que o Santo Padre me deu em sonho e pedir para o senhor parar com tudo isso. O Daniel, por mim, está perdoado”.
Diante de tão insólito pedido, o advogado, estupefato, não teve alternativa. Desistiu da ação penal, mediante o perdão expresso do querelante. Daniel ficou livre do processo, formou-se médico e voltou para sua terra. Juvenal, feliz por ter perdoado o desafeto a mando do Papa, esqueceu o assunto. Da moça, o advogado nunca mais teve notícia.