Com quase três décadas dedicadas ao sistema prisional paulista, o policial penal Luciano Carneiro carrega uma trajetória marcada por avanços, desafios extremos e um compromisso contínuo com a valorização da categoria. Diretor regional do Sindicato dos Policiais Penais do Estado de São Paulo (Sindppesp), ele é hoje uma das principais vozes do funcionalismo penitenciário no interior do Estado, reconhecido pela atuação firme em defesa da saúde, da segurança e das condições de trabalho dos servidores.
Ao longo de 28 anos de carreira, Luciano viveu fases decisivas da transformação do antigo agente de segurança penitenciária até a consolidação da Polícia Penal. Testemunhou momentos críticos, como a megarrebelião de 2006, e enfrentou situações de risco que marcaram sua vida profissional – entre elas um acidente grave que o levou ao movimento sindical.
Paralelamente, buscou formação técnica e acadêmica, somando graduações em enfermagem, teologia e direito, o que ampliou sua atuação dentro das unidades e nos debates institucionais sobre o sistema penitenciário.
Nos últimos dias, o policial penal esteve novamente diante de um episódio traumático: o incêndio na penitenciária de Marília, que terminou com a morte de oito detentos e levou outros presos e servidores ao hospital. Atuante na unidade, Luciano relatou que a ação rápida da equipe impediu uma tragédia ainda maior.
Em entrevista para o Marília Notícia, ele destacou a evolução estrutural e operacional das prisões, ao mesmo tempo em que alertou para a falta de efetivo e a necessidade urgente de valorização profissional. Luciano detalhou sua trajetória, comentou sobre a realidade do sistema prisional, sobre o incêndio que chocou a cidade e ainda apresentou as principais reivindicações da categoria.
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MN – O que mudou nestes anos de profissão?
Luciano Carneiro – Hoje vejo servidores novos chegando com uma visão de fora, como se fossem atuar diretamente como policiais. Nós somos policiais, sim, mas com serviço restrito à administração penitenciária — ao complexo penal e à persecução direta do preso. Somos a polícia que executa a pena e cuida do preso após a sentença.
MN – Quando você entrou era muito diferente?
Luciano Carneiro – Quando entrei, a alimentação era muito precária. Passamos por muita dificuldade. Havia comparação com os antigos carcereiros e também muito preconceito por causa da chamada “prisionização” ou “emparedamento”.
MN – O que é isso?
Luciano Carneiro – É quando o servidor convive tanto com o preso que acaba incorporando certas questões culturais. Isso me motivou a estudar e lutar pelos nossos direitos. Antigamente, não havia ações voltadas à saúde do trabalhador, nem Cipa. A comida era ruim. Sempre aparecia algo indesejado, como uma varejeira ou um pedaço de osso. Com a evolução da secretaria, mudou também o perfil do preso. Nos anos 90, o preso era mais rústico. Hoje, muitos têm base cultural mais próxima da nossa realidade. O trabalho ficou mais tranquilo, principalmente pelo diálogo. Houve grande evolução tanto da secretaria quanto do perfil do preso e da família dele.
MN – Qual função você desempenha hoje?
Luciano Carneiro – Faltam três anos para minha aposentadoria. Trabalho na área de segurança da penitenciária de Marília e exerço várias funções, muito por causa da minha formação. Atuo na segurança, na inclusão de presos, auxilio em videoconferências com advogados, audiências com juízes. Também posso atuar na saúde. Fico no semiaberto. Com o número reduzido de funcionários, às vezes estou na portaria recebendo presos, outras vezes na videoconferência ou no setor da penal, observando câmeras e controlando a segurança dos detentos.
MN – Como foi o episódio que infelizmente terminou em tragédia?
Luciano Carneiro – Eu estava na penitenciária naquele dia, como sempre. É importante entender como é o prédio. Todas as unidades têm um setor de inclusão com oito a 10 celas de observação, uma triagem para identificar facção, dívidas, riscos. A ventilação é muito restrita. Em caso de incêndio, a resolução é extremamente difícil. O cobertor usado pelos presos é semissintético: pega fogo rapidamente e a fumaça é altamente tóxica, com fuligem semelhante a plástico queimado. A liberação de calor é extrema.
MN – Você estava no local no momento do incêndio?
Luciano Carneiro – Não no exato momento. Cheguei logo depois. Foi tudo muito rápido. Para um ou dois policiais, seria quase impossível abrir as celas sozinhos. Precisavam de reforço. Sempre existe o receio de que a situação seja usada para tentar tomar a cadeia. O reforço chegou rápido, mas a fumaça era muito forte. O pessoal usou panos molhados. A cena foi terrível. Eles foram entrando e, conforme abriram, viram os presos caindo no chão. Tiraram todos o mais rápido possível.
MN – Se não fosse essa ação rápida, teria morrido mais gente?
Luciano Carneiro – Com certeza. Foi algo inédito. Ninguém queria isso. Buscamos tranquilidade dentro do sistema.
MN – Se o preso que iniciou o fogo voltar para Marília, a situação dele pode ficar complicada?
Luciano Carneiro – Com certeza. Ele vai ter que se recuperar, e deve ser lento. A secretaria certamente vai transferi-lo para evitar retaliação. Isso impede que outros presos tentem criar um motim para matá-lo.
MN – Existe um trabalho para identificar situações assim?
Luciano Carneiro – O serviço de inteligência é muito bom. A secretaria separa presos por facção e por tipo de crime há mais de uma década. Antes do preso chegar à unidade, o Centro de Movimentações Carcerárias faz pesquisa séria sobre cada caso, evitando problemas como os dos anos 90, quando presos recém-chegados eram estuprados. Creio que ele estava com algum problema psiquiátrico recente e tomou uma atitude impensada num momento de loucura.
MN – Vocês são os maiores interessados no bem-estar deles, certo?
Luciano Carneiro – Exatamente. Nossa visão tem que ser diferenciada. Não estamos ali para oprimir ninguém, mas para garantir a segurança do prédio e de todos, inclusive a nossa. Se o preso estiver bem de saúde, com acesso a educação e trabalho, tende a ser mais tranquilo e mais ressocializado — e isso reflete diretamente no nosso trabalho.
MN – Algum exemplo de melhoria nas condições dos detentos?
Luciano Carneiro – Em 2020, a Defensoria Pública ganhou uma ação pelo banho quente. Expliquei aos servidores que isso é vantagem para nós: melhora resistência, reduz gripes, pneumonias, tuberculose. É um ciclo positivo, uma questão de humanização. Não podemos usar truculência. O policial penal não entra armado nas unidades. Tudo precisa ser resolvido no diálogo.
MN – Qual foi o momento mais difícil da sua carreira?
Luciano Carneiro – A megarrebelião de 2006. As cadeias não tinham a segurança de hoje. Não tínhamos porte de arma. Eu estava em Álvaro de Carvalho. A penitenciária quebrou três vezes em seis meses. Vi uma rebelião começar na minha frente, presos encapuçados pegando meus companheiros. Naquela semana, ninguém sabia se iria trabalhar vivo. Quem estava ativo tem elogio no prontuário. Alguns ficaram doentes, outros desenvolveram transtornos psiquiátricos.
MN – A prisão era diferente?
Luciano Carneiro – Era tudo manual. Você abria porta por porta com chave. Na pior noite, precisei entrar sozinho para atender um pedido de socorro médico em uma cela com 13 ou 14 presos. Outro momento marcante foi a tentativa de resgate no hospital de Marília de um dos fundadores do partido. Nunca esqueço meu primeiro dia de trabalho: quase mil presos no pátio, em silêncio absoluto. Parecia o silêncio da morte.
MN – Os presos reconheceram o trabalho de vocês no incêndio?
Luciano Carneiro – O reconhecimento deve vir quando os que estão internados voltarem. A massa carcerária ficou em silêncio, sem entender o que ocorria. O diretor conversou com eles. Todos ficaram tristes. Viram que não houve má-fé. Se houvesse, já teríamos retaliação. A cadeia funcionou normalmente. O mais crítico foi o número de fake news circulando sobre rebelião. Os presos do semiaberto viram nossa movimentação e o desespero. Isso repercutiu positivamente.
MN – Gostaria de acrescentar algo?
Luciano Carneiro – Estamos em campanha pelo aumento do efetivo e valorização salarial. A escassez de policiais penais vem desde 2015. Minha turma se aposenta praticamente inteira no ano que vem. Funcionários já cansados. Pedimos que o governador aumente o quadro de policiais penais. Muitas coisas melhoraram: ar-condicionado em algumas gaiolas, Cipas, acompanhamento psicológico. A estrutura e a segurança evoluíram muito. Mas precisamos de mais gente e melhores salários.
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