Professora doutora Maria Inês Almeida Godinho, um dos nomes mais atuantes da Universidade de Marília (Unimar), é referência nas áreas de comunicação, audiovisual e transformação social. Com uma trajetória que atravessa o rádio, a publicidade, o documentário e a docência, ela se destaca por unir teoria e prática em projetos que questionam padrões, promovem diversidade e estimulam o pensamento crítico sobre a mídia.
Autora da websérie “Não sou uma imagem”, premiada pela Associação Latino-Americana de Estudos Culturais, sediada nos Estados Unidos, Inês transformou sua tese de doutorado em um projeto audiovisual que aborda machismo, racismo, homofobia e padrões corporais.
A produção, realizada com recursos da Lei Paulo Gustavo, deu visibilidade a jovens que enfrentam essas violências e abriu espaço para um debate urgente sobre representatividade e mídia.
Na Entrevista da Semana para o Marília Notícia, Inês falou sobre o início da carreira, o caminho até a universidade, os bastidores da premiada websérie e as transformações do audiovisual brasileiro. Com franqueza e sensibilidade, ela reflete sobre avanços, desafios e o papel da educação na formação de profissionais mais conscientes e comprometidos com a diversidade.
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MN – Como foi o início da sua carreira?
Inês Godinho – Eu me formei praticamente na pré-história (risos). Fiz 62 anos outro dia. Concluí minha graduação em Rádio e TV, que hoje se chama Audiovisual, pela Faap, em 1985. Na época da faculdade, eu já trabalhava em rádio. Depois, atuei em emissoras de Santos e São Paulo.
Em 1987, consegui uma bolsa de estudos e fui para a Espanha, onde fiquei seis meses em um curso de especialização em audiovisual. Quando voltei, fui trabalhar em uma grande agência de publicidade, multinacional, que hoje já não existe naquela configuração.
Atuei com produção de comerciais, publicidade e assessoria de imprensa, fazendo vídeos institucionais e campanhas para vários clientes.
MN – Como aconteceu a virada para os documentários?
Inês Godinho – Fui trabalhar em uma produtora de documentários. A primeira viagem foi para uma tribo no Amazonas. Foi um salto do “alto capitalismo” para a luta social. Essa experiência definiu muito a minha identidade e o tipo de conteúdo que eu queria produzir. Foi uma mudança importante, um choque de realidades que me fez repensar o mundo e entender meu papel dentro dele.
MN – Quando começou a dar aulas?
Inês Godinho – Comecei em 1991, na Unimep, em Piracicaba, quando o curso de Rádio e TV estava sendo criado. Sempre fui nerd e estudar é algo que adoro. Gostei muito da docência e acabei deixando a empresa, mas continuei trabalhando como freelancer. Faço roteiros até hoje, porque dá para conciliar. Fiz mestrado na USP e terminei o doutorado em 2022, em Ciências Sociais, pela Unesp.
Vim para a Unimar em 2002 e desde então sigo numa linha alternativa, sempre ligada a projetos com movimentos sociais.
MN – Em 2023, você foi aprovada em um projeto pela Lei Paulo Gustavo, que resultou na websérie ‘Não sou uma imagem‘. Qual foi a origem e o objetivo da produção?
Inês Godinho – A ideia nasceu durante o meu doutorado. Minha tese analisava a violência de gênero, especialmente contra mulheres e pessoas LGBTQIA+. O foco eram os posts de coletivos universitários da USP, Unesp e Unicamp, observando como essas violências se manifestavam, especialmente durante a pandemia.
Em 2023, transformei a pesquisa em um produto audiovisual. O objetivo foi fazer uma crítica às imagens midiáticas e à violência simbólica que elas perpetuam.
MN – Como foi a escolha dos temas e a divisão dos episódios?
Inês Godinho – Dividi em quatro episódios: machismo, racismo, homofobia e corporalidades — esse último sobre a obsessão pelo corpo magro. Entrevistamos 18 jovens, que comentavam imagens e relatavam experiências pessoais.
A série foi lançada em 2024 e recebeu um prêmio da Associação Latino-Americana de Estudos Culturais, sediada em São Francisco, nos Estados Unidos.
MN – O audiovisual brasileiro tem avançado na representatividade ou ainda reproduz padrões de exclusão?
Inês Godinho – Avançou, mas em menor grau. Esse avanço vem muito da pressão das redes sociais. Antes, não tínhamos onde reclamar quando víamos algo excludente na TV ou nas revistas. Hoje, essa pressão explode. Um exemplo é a Globo: lembro de uma novela ambientada na Bahia em que quase não havia pessoas negras. Depois da crítica social, o elenco mudou. Essa pressão fez diferença.
MN – E na publicidade?
Inês Godinho – Também há avanços, mas muitas vezes parece algo “de cota”. As marcas colocam diversidade, mas raramente com protagonismo. Algumas exceções, como a Natura e a Avon, levam isso a sério, porque faz parte da política da empresa. A maioria ainda não, mas é visível a mudança.
MN – Quais grupos você acredita que ainda carecem de representação?
Inês Godinho – Faltam os asiáticos. Temos uma comunidade nipo-brasileira enorme e quase não a vemos na mídia. Quando foram gravar Corações Sujos, precisaram trazer atores do Japão com intérprete, porque não havia nipo-brasileiros fluentes. Fora a Dani Suzuki, quase ninguém.
E os indígenas? Quando aparecem, é sempre de forma exótica. A mudança existe, mas ainda vem mais por pressão do que por iniciativa.
MN – Como a universidade pode contribuir para formar profissionais mais conscientes sobre essas questões?
Inês Godinho – A universidade tem avançado muito. Por muito tempo, estudávamos apenas autores brancos. Hoje, há um movimento forte de inserção de pautas sobre colonialidade e exclusão.
Dou aula de Sociologia e a maioria das discussões gira em torno disso. Os alunos também estão engajados: orientei sete projetos de iniciação científica e quase todos tratam de diversidade, mídia e inclusão.
Temas como educação midiática, antes inexistentes, agora aparecem nas grades e pós-graduações. É um movimento importante para multiplicar conhecimento e formar profissionais com olhar crítico.
MN – O que mais mudou desde o início da sua trajetória?
Inês Godinho – Hoje vejo o resultado desse trabalho nas novas gerações. Minha geração era muito preconceituosa. Já os jovens de agora são mais abertos. Muitos alunos se assumem, andam de mãos dadas, vivem com mais liberdade.
Apesar de o Brasil ainda ser o país que mais mata pessoas trans, houve avanços na tolerância, especialmente entre os mais jovens.
Outra mudança é em relação à aparência. Antes, quase todas as meninas alisavam o cabelo. Hoje, assumem os cachos e se orgulham da própria imagem. Mesmo em Marília, uma cidade tradicional, há mais aceitação e diversidade nas ruas. Isso é uma grande conquista.
MN – A produção audiovisual tem crescido na cidade e na região?
Inês Godinho – Sim. Vários projetos foram aprovados pela Lei Paulo Gustavo. Esses programas são fundamentais, porque sem financiamento não há produção.
Minha série custou R$ 25 mil, e ainda tive que investir R$ 3 mil para a tradução em Libras. Sem esse apoio, é quase impossível. A Lei Rouanet, por exemplo, apenas redireciona o imposto que a empresa já pagaria, mas muita gente critica sem entender. É um processo burocrático e rigoroso, com prestação de contas detalhada.
MN – Ainda existe preconceito em relação às leis de incentivo?
Inês Godinho – Existe, sim. Há quem ache que “a Lei Rouanet joga dinheiro no bolso dos artistas”, o que é um mito. A prestação de contas é complexa, e o audiovisual gera muito emprego.
Nos últimos anos, o setor movimentou mais recursos e empregos do que a própria indústria automobilística.
Só em Marília, foram 16 projetos audiovisuais. Eu mesma contratei cerca de dez pessoas. Isso movimenta o mercado local e cria oportunidades para profissionais que talvez só tivessem o mercado de casamentos, por exemplo.
MN – Que conselhos você daria a quem quer seguir no audiovisual?
Inês Godinho – Não desistir. Nada é fácil. Produzir vídeo para a internet não é só ligar a câmera: existe uma equipe inteira por trás. É preciso constância e preparo, da mesma forma que na televisão.
Estude roteiro, fotografia, edição. Dê importância ao conteúdo e ao público. Audiovisual é trabalho árduo, mas fascinante.
Para mim, é mais importante fazer o que se ama do que ter dinheiro. Eu nunca fiquei rica, mas se morrer agora, está tudo bem. Fiz o que gosto e acredito que ajudei algumas pessoas.
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