No meu quintal da infância havia um abacateiro, grande e isolado, ficando bem quase na divisa da cerca de madeira, que dava com os fundos da casa do seu Pedro. Seu Pedro tocava na banda e tinha um papagaio. De tanto minha mãe gritar o nome do meu irmão, o Rodrigo, o louro aprendeu a chamá-lo. Quase todas as manhãs, acordava com o papagaio do seu Pedro chamando ‘Rodrigooo, Rodrigooo, Rodrigo!’.
Mais para perto da porta da cozinha, havia duas outras árvores: um pé-de-manga, que eu desconfiava ser deste meu irmão Rodrigo, e uma goiabeira, que acabei assumindo como minha. Zezé, o menino puro e personagem de ‘Meu pé-de-laranja-lima’, best-seller do escritor brasileiro José Mauro de Vasconcelos (1920-1984), retrata algo muito parecido na cena em que a família se muda para uma nova casa e todas as crianças correm para o quintal e, cada qual, assume uma árvore. Ele, como não poderia ser diferente – até porque este é o nome do romance brasileiro que é lido nos quatro cantos do mundo: dos Estados Unidos à China – fica com o pé-de-laranja-lima. Recomendo este livro para todos. Aos adultos, principalmente, de quando em quando, é bom reler Vasconcelos e voltar à infância, num exercício para se lavar a alma.
O meu pé-de-goiaba voltou a me sondar domingo passado, quando assistindo a um documentário ‘Logun Edé – a magia da herança genética’, certa imagem traz à tona um babalorixá concedendo um depoimento sobre a ancestralidade dos orixás na formação da cultura brasileira, ao seu lado está uma goiabeira, com seu tronco em forquilha, me fazendo voltar ao tempo, na facilidade de subir seus galhos por ali. Me senti o Marcel Proust ‘Caipira’, só que ao invés de saborear um biscoito madeleine e regressar ao tempo perdido na França de sua meninice, voltei ao quintal paraguaçuense ao relembrar da amiga ‘goiabeira’. Havia até um balanço nele, em tempos mais remotos ainda.
Subia tão rápido na goiabeira e de lá ficava observando os quintais vizinhos. Lembro que havia um gato amarelo, chamado de Mimi, que vivia atacando os terrenos alheios em busca de caça. Não era difícil encontrar o Mimi com calango à boca, e até mesmo pardaizinhos. Quantas vezes deixei a comida no prato e não almocei porque lembrava do Mimi arrastando suas vítimas pelos quintais dos vizinhos. Me embrulhava o estômago e tirava toda a vontade de comer. Era difícil esquecer a cena do felino vizinho vitimando os seus jantares.
Nossas memórias, nossas vivências e nossas experiências nos alimentam também e, recentemente ao terminar de ler uma entrevista, fiquei com a frase do poeta Sérgio Vaz, na minha mente: ‘Tento de, alguma forma, transformar a minha quebrada em algo que tenha poesia, que talvez no dia a dia não seja tão poético, mas enxergar uma outra periferia, uma periferia possível’, sintetizou o autor de ‘Literatura, pão e poesia’ (Global Editora, 2011). Sérgio Vaz organiza, desde 2011, o Sarau da Cooperifa. Concluo a crônica desta semana, recheada de reminiscência, ressaltando que a leitura é ação essencial para o ser humano, nos ensina a viver melhor e nos estimular aos bons hábitos, aperfeiçoando a nossa mente.
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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (LM Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), [email protected].