“Somos apenas números. Não tem um e-mail para entrarmos em contato. Qualquer problema em uma loja ou com cliente, você não tem nenhum respaldo. Dane-se cada um. Todos os apps são assim. Eles te bloqueiam, falam que teve um problema e não te falam o que aconteceu.”
O desabafo é do motoboy Alexandre Costa, que atua em Marília e resume a realidade vivida por milhares de trabalhadores de plataformas digitais no Brasil. Para ele, as promessas de reajustes e bonificações não passam de ilusão. “Teve a manifestação nesse ano e falaram que aumentaram, mas na prática foi uma mentira. Não teve aumento”, relatou.
Alexandre explica que, além dos valores baixos, o sistema estimula a entrada de mais entregadores com bônus por indicação, saturando o mercado. “Eu quero que tenha menos motoboys e que exigisse mais qualificações. Seria necessário que todos tivessem cursos, mas o aplicativo não quer nada disso. Na maioria, você faz o cadastro e sai para trabalhar. Eles não sabem nem quem está fazendo as entregas.”
Apesar de manter o controle das finanças pessoais, o entregador reconhece que a maioria dos colegas enfrenta endividamento. “Eu sou solteiro, não moro de aluguel e não tenho filhos, mas a realidade de muitos entregadores é diferente. Tem muita gente que coloca combustível no cartão de crédito. Isso vira uma bola de neve para um trabalhador que tem família e paga aluguel.”
Pai de dois filhos e morador da zona oeste de Marília, um entregador de 37 anos, que prefere não se identificar, começou a trabalhar como entregador por aplicativo em 2021, depois de perder o emprego em uma metalúrgica. Desde então, a renda mensal gira em torno de R$ 2.200, valor que mal cobre aluguel, contas básicas e combustível.
Sem conseguir equilibrar as despesas, ele recorreu ao cartão de crédito e a empréstimos. Hoje, deve cerca de R$ 8 mil, entre financiamentos de moto, cartão atrasado e crédito pessoal.
“Todo mês começo o trabalho já devendo. O aluguel da moto, o combustível e as taxas comem quase metade do que eu ganho. Quando atraso uma entrega, desconto é na hora. Não tem como respirar”, contou.
Ele diz que a situação virou um ciclo de dívidas. “Já pensei em desistir, mas é o que tenho para sustentar minha família. É um corre que não para, parece que estou sempre correndo atrás do prejuízo. O aplicativo não quer saber se você tem filhos ou não.”
Relatório nacional confirma precarização
A experiência de Alexandre encontra eco no Relatório Fairwork Brasil 2025, que analisou 10 grandes plataformas — entre elas iFood, 99, Uber, Rappi, Loggi e Lalamove. O estudo mostrou que nove empresas receberam pontuação zero nos cinco princípios do trabalho decente (remuneração, condições de trabalho, contratos, gestão e representação). Apenas a InDrive e a Superprof atingiram 1/10, por garantirem rendimentos equivalentes ao salário mínimo após custos básicos.
A pesquisa aponta para um cenário de exploração, com baixos salários, ausência de proteção social e práticas de gestão punitivas, que estimulam jornadas longas e aceleradas, ampliando riscos de acidentes.
Marília em números
Em Marília, essa realidade atinge 2.320 Microempreendedores Individuais (MEIs) do setor de entrega e transporte, que representam 8,5% dos 27.305 registros ativos na cidade.
Levantamento do Marília Notícia mostra a distribuição desses trabalhadores:
Ao transferirem integralmente o ônus da atividade, as plataformas se eximem de responsabilidades e empurram milhares de profissionais para uma espécie de “servidão digital”, como define o relatório.
Endividamento e falta de direitos
Outro ponto central do estudo é a lógica do endividamento. Muitas empresas oferecem crédito aos trabalhadores, intensificando a dependência. Entregadores e motoristas chegam a alugar veículos para trabalhar, começando o dia já com saldo negativo.
Além disso, não foi encontrada nenhuma evidência de fornecimento de equipamentos de segurança sem custo adicional ou de políticas eficazes de proteção social. A pesquisa também destacou a resistência das plataformas à organização coletiva, sem registros de negociação efetiva com sindicatos ou associações.
O que dizem as empresas em posicionamentos oficiais
Uber
A empresa não participou do estudo e critica a metodologia do Fairwork, afirmando que ela parte de premissas baseadas em modelos tradicionais de emprego e desconsidera a flexibilidade e autonomia valorizadas pelos trabalhadores. A Uber também aponta falhas na representatividade da pesquisa e defende sua atuação em debates regulatórios, como no Grupo de Trabalho Tripartite do governo e na construção do PLP 12/2024.
Parafuzo
A plataforma disse respeitar iniciativas que buscam melhores práticas, mas discordou dos critérios do Fairwork, que, segundo ela, geram conclusões incorretas. Afirma que prestadores de serviço ganham acima do salário mínimo, com média líquida de R$ 15 a R$ 18 por hora e renda mensal que pode superar R$ 6 mil. Destacou ainda seguro gratuito contra acidentes, canais de diálogo e apoio à saúde mental, além de investimentos em educação e participação dos trabalhadores.
Amobitec (99, iFood e Lalamove)
A associação afirmou que a metodologia do relatório é falha, baseada em critérios subjetivos e amostragem pouco representativa — apenas 88 entrevistas em dois anos, o que equivaleria a 0,004% do total de trabalhadores do setor. Reforçou que os aplicativos oferecem flexibilidade e autonomia e destacou a participação das empresas em discussões com o poder público para construir um modelo regulatório que amplie a proteção social e traga segurança jurídica.
inDrive
A plataforma comemorou ter sido reconhecida no critério de Remuneração Justa, destacando que motoristas e passageiros negociam livremente os valores das corridas e que a taxa de serviço é a menor do setor. Citou ainda iniciativas como o Pacto de Segurança, o inDrive.Money (apoio financeiro) e o engajamento em debates sobre a regulação do trabalho em plataformas no Brasil.
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