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Fora dos autos: histórias que a vida conta

Mané chiado era ladrão incorrigível. Ganhou esse apelido porque sempre que falava alguma palavra que tivesse a letra “s” emitia uma espécie de assovio, parecendo mesmo um chiado. Viveu a maior parte sua vida adulta entrando e saindo das prisões, sempre por pequenos furtos, sem nunca, porém, praticar qualquer violência. Era, ao que se costuma dizer no jargão policial, “piolho de cadeia”, título que se dá àqueles que, vira e mexe, são presos por delitos menores.

Certa tarde, em patrulhamento de rotina lá pelos lados da Vila Jardim, dois policiais militares viram o Mané carregando nos ombros um aparelho televisor. Abordaram-no e não deu outra. Descobriram que, na ausência dos moradores, arrombara a porta de uma casa bastante humilde das proximidades e subtraíra o aparelho. Porém, já na rua, deu de cara com a viatura policial e, mais uma vez, foi tomar café de canequinha na cadeia pública da cidade, onde aguardaria o julgamento.

Concluído o inquérito com todas as formalidades de praxe, depois de ouvidas as vítimas e testemunhas e oferecida a denúncia pelo Promotor de Justiça, foi marcada a data para o interrogatório. No dia e hora aprazados, o Mané foi conduzido à sala de audiências, algemado e escoltado, para dar sua versão do acontecido. Depois da qualificação dada ao escrevente e ouvir a leitura da acusação pelo juiz, disse o Mané candidamente: – “O Senhor pode não acreditar, mas eu não fiz essa ‘fita’ (termo usado pelos marginais para descrever infração penal). Acontece que o dono do barraco onde estava a televisão é meu ‘chegado’ e, como tinha ido viajar, ficou com medo de deixar o aparelho na residência. Então pediu que eu levasse a televisão para minha casa para guardar, porque aqui em Marília tem muito ladrão”.

Toda a plateia que estava na sala, escrevente, policiais, estagiários e até o Promotor e o juiz explodiram numa sonora gargalhada. O próprio Mané, diante da reação dos presentes e vendo que sua estória não convencera ninguém, disfarçou um sorriso amarelo e disse de si para consigo, emitindo o indefectível chiado e já imaginando a condenação: – É, parece que a casa caiu de vez. Provocou nova gargalhada nos presentes.

Décio Mazeto

Ex-juiz da 3ª Vara Criminal de Marília, Décio Divanir Mazeto atuou por 34 anos na magistratura

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