Ramon Franco, Autor em Marília Notícia https://marilianoticia.com.br/colunista/ramonfranco/ Aqui você lê a verdade! Wed, 13 Nov 2024 21:26:43 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.5 Os que amam se reencontram https://marilianoticia.com.br/os-que-amam-se-reencontram/ Thu, 14 Nov 2024 08:00:00 +0000 https://marilianoticia.com.br/?p=620311 “Somos escravos de tudo que desejamos possuir. Ninguém é livre neste mundo, há diversas espécies de escravidão” – do livro ‘O escravo’, de Carolina Maria de Jesus (1914-1977) Uma vez a minha avó materna – que está com 94 anos – me contou numa manhã que horas antes havia sonhado com seu irmão mais velho, […]

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A grande pirâmide de Gizé, no Cairo (Foto: Ramon Barbosa Franco)

“Somos escravos de tudo que desejamos possuir. Ninguém é livre neste mundo, há diversas espécies de escravidão” – do livro ‘O escravo’, de Carolina Maria de Jesus (1914-1977)

Uma vez a minha avó materna – que está com 94 anos – me contou numa manhã que horas antes havia sonhado com seu irmão mais velho, que se chamava Rubens e havia morrido muitos anos antes de eu nascer.

“Filho, ele estava de roupa branca, tão bonito, encostado num carro e dando risada para mim. Era tão real, que corri para abraçá-lo, mas aí acordei. Fiquei muito triste, e chorei porque tudo não se passava de um sonho.”

Dias desses, antes de dormir, li num story qualquer a frase, realmente muito profunda: ‘Aqueles que se amam sempre se encontram. Não importa quão longe estejam, sempre voltam um para o outro’.

Totalmente cético com esta mensagem – e o leitor vai me desculpar, pois ainda não estou com os sábios 94 anos da vó Luiza, mas já passei dos 40 há algum tempo, então, nem toda frase que leio, ainda mais em redes sociais e no Instagram, me inspira a plena confiança na veracidade – caio no sono profundamente. E entro numa viagem onírica muito peculiar, onde, vou reencontrando pessoas da minha trajetória de vida que há décadas não via, e, entre elas, algumas já até mesmo falecidas.

Por um descuido acordo. E olho no relógio, eram duas da madrugada e, me bate aquela sensação que a dona Luiza me revelou na manhã da infância: era tão real, mas era um sonho. Assim como aconteceu com a minha avó, chorei. E muito. Passado o choro e a angústia, confesso que agradeci a Deus pela oportunidade de reencontrar, ainda que em sonho, aqueles entes queridos e que foram tão essenciais em meus momentos.

A sensação que tive no sonho era a mesma da autenticidade da vida e tive que arruinar o meu ceticismo com a frase que afirma que os que amam, se reencontram. Muitas vezes, não sei se isso acontece a outras pessoas, consigo encontrar saídas para problemas através de sonhos. ‘Um leão entrou em casa’, conto que está entre as oito narrativas de ‘Contos do Japim’ (2010, Carlini & Caniato), me surgiu inteiramente num sonho.

Assim que acordei, corri à máquina de escrever e fiz a primeira redação do conto. Nele, como o título remete, um leão entra na casa do narrador. Só que não é um qualquer, é inteligente e tem a faculdade da oratória.

Através do sonho José foi avisado de que era para fugir ao Egito com Maria de Nazaré, sua esposa, e Jesus, recém-nascido na manjedoura de Belém. Também foi através de um sonho que outro José, o do Egito, decifrou os anos de fartura e o lastimável período de miséria no sonho do faraó – as sete vacas gordas e as sete vacas magras.

Quando estive no Egito, dois anos atrás, não consegui colocar as mãos nas areias daquele país – e isso era algo que queria fazer, mas acabei protelando e não fazendo. Dias atrás, uma amiga que passou uma temporada por lá, me presenteou com um frasquinho repleto das areias do Egito. Amo muito aquele lugar, e, suas areias me reencontraram. Antes da frase que me foi corroborada em sonho, havia lido o título de um romance ‘Até as pedras se encontram’, que agora complemento: ‘Até as pedras se encontram, quanto mais às criaturas e os grãos de areia’.

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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’, ‘A próxima Colombina’, ‘Contos do Japim’, ‘Vargas, um legado político’, ‘Laurinda Frade, receitas da Vida’ e das HQs ‘Radius’, ‘Os canônicos’ e ‘Onde nasce a luz’, ramonimprensa@gmail.com

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Essa é do João https://marilianoticia.com.br/essa-e-do-joao/ Wed, 30 Oct 2024 08:00:00 +0000 https://marilianoticia.com.br/?p=616685 No dia canônico dedicado a São João Paulo II, o primeiro papa não-italiano após 450 anos de hegemonia romana no sucessor de Pedro, 22 de outubro passado, acordei recordando que o polonês Karol Jozef Wojtyla recebeu a notícia de que chegara a bispo após concluir uma prova de canoagem, na Polônia. Ali começaria a sua […]

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Escritor João Anzanello Carrascoza, considerado um dos principais autores brasileiros (Foto: Divulgação)

No dia canônico dedicado a São João Paulo II, o primeiro papa não-italiano após 450 anos de hegemonia romana no sucessor de Pedro, 22 de outubro passado, acordei recordando que o polonês Karol Jozef Wojtyla recebeu a notícia de que chegara a bispo após concluir uma prova de canoagem, na Polônia. Ali começaria a sua jornada exitosa como liderança católica, pois na sucessão de progressão, passou de bispo para arcebispo, de cardeal a papa.

Em outubro de 1978, Wojtyla foi eleito papa e em seu diário, “Estou nas mãos de Deus’, o religioso dedicou só uma página para relatar em rápidas palavras sua vitória no conclave. Citou mais um amigo acometido por uma doença e concluiu escrevendo em latim “Debitor factus sum”, que significa “Converti-me em devedor”.

Mas no último 22 de outubro, ao acordar, eu estava bem alheio ao dia dedicado ao santo papa e lembrei da sua grande trajetória de religioso, pois de 1978 a 2005, Wojtyla liderou o povo católico distribuído pelos quatro cantos do mundo. Só vir a saber disso, que era seu dia religioso, horas depois, pois naquela terça-feira, dia 22, me dei conta que logo mais, à noite, iria a uma palestra de um outro João, o escritor João Anzanello Carrascoza, considerado um dos principais autores brasileiros.

Foto: Divulgação

O Carrascoza é de Cravinhos, ao lado de Ribeirão Preto, estreou na literatura brasileira há 30 anos, em 1994, e tem uma carreira muito frutífera na redação publicitária, na propaganda e no ensino superior.

Chego à biblioteca de Marília quase que no mesmo momento em que o João chegou e, sem perder muito tempo, lhe presenteei com um exemplar do meu primeiro livro de contos, “Contos do Japim”, lançado pela Carlini & Caniato, em 2010 – portanto, há quase 15 anos. Havia comprado este exemplar dias antes num sebo em Marília, pagando R$ 7. Não tenho mais exemplares do “Japim”, então acabo caçando as espécimes remanescentes por aí. O João recebeu com carinho, pediu que autografasse e se dirigiu para nos levar numa autêntica viagem literária.

Embarcamos na Cravinhos da infância de Carrascoza, quando os cafezais ainda rodeavam a cidade e havia um campinho de futebol onde ele jogava bola com os colegas. Avançamos nos momentos da sua infância, essenciais para a sua formação humana, de leitor e, naturalmente, de escritor. Ainda nesta fase da viagem literária, o João mandou essa: “Sou escritor por conta da CPFL, a Companhia Paulista de Força e Luz. Sempre brinco dizendo isso. É que na minha infância ocorriam muitos apagões, e a energia demorava a voltar. E, às escuras, ouvia as histórias da minha mãe, os causos dos adultos, e assim, a minha imaginação de escritor começava a florescer”.

Cenário mais perfeito para dar asas à imaginação, não há: à luz de vela, família reunida e os pais a narrar histórias, lembranças e suas memórias. O João, brasileiro, nos relatou mais, por exemplo, que seu primeiro prêmio literário foi conquistado em Bauru e que na infância, passava por Marília a caminho de Maracaí e Assis, onde possuía familiares. O João, polonês celebrado no dia da visita do brasileiro, para mim, relata humildade e amor ao próximo. Mas no dia 22 de outubro quem ganhou conclave ou prêmio literário fui eu, pois acabei sendo presenteado por ensinamentos de dois grandes Joões.

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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’, ‘A próxima Colombina’, ‘Contos do Japim’, ‘Vargas, um legado político’, ‘Laurinda Frade, receitas da Vida’ e das HQs ‘Radius’, ‘Os canônicos’ e ‘Onde nasce a luz’, ramonimprensa@gmail.com

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A parábola do boneco de neve https://marilianoticia.com.br/a-parabola-do-boneco-de-neve/ Fri, 18 Oct 2024 08:00:00 +0000 https://marilianoticia.com.br/?p=614424 Já revirei a internet em buscas e pesquisas, mas ainda não consegui localizar o nome deste filme de animação. Só lembro que assisti na antevéspera de um Natal da minha infância, passada integralmente na casa dos meus pais – aliás, a mesma onde eles vivem até hoje – em Paraguaçu Paulista, a 80 quilômetros daqui […]

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História se passa no Polo Norte com um boneco de neve (Imagem: Divulgação)

Já revirei a internet em buscas e pesquisas, mas ainda não consegui localizar o nome deste filme de animação. Só lembro que assisti na antevéspera de um Natal da minha infância, passada integralmente na casa dos meus pais – aliás, a mesma onde eles vivem até hoje – em Paraguaçu Paulista, a 80 quilômetros daqui de Marília.

Naquele ano, final da década de 1980, o Natal cairia numa terça-feira, então a véspera seria na segunda e a programação de domingo das emissoras foi toda dedicada à temática natalina. Em casa, a TV só pegava 5 canais: Bandeirantes – que quase ninguém via – SBT, Manchete, Cultura e Globo. ‘Bambalalão’ passava na Cultura, na Bandeirantes tinha desenhos antigos, o do Space Ghost era o meu preferido. Na Globo, via novelas e o Jornal Nacional.

Lembro, por exemplo, da notícia da morte do poeta Carlos Drummond de Andrade e o que marcou foi que na matéria informaram que poucos meses antes sua filha havia falecido. O SBT era ver o Silvio Santos, a ‘Sessão das Dez’ e também o Gugu. E foi na programação de Natal daquele ano, no SBT, que assisti a uma animação. No dia, o desenho me causou profunda tristeza e, mais tarde, me trouxe um grande – e verdadeiro – ensinamento. A história se passa no Polo Norte, onde um boneco de neve ao querer ver os fogos de artifícios da virada do ano, encantado com tanta luz, vai se afastando do ponto gelado do planeta e se dá conta de duas coisas: 1º, está perdido, e 2º, que, não sabendo voltar, irá descongelar totalmente assim que o sol aparecer.

Pronto, o sofrimento deste bonequinho de gelo – fofinho e inocente – toma conta de toda a animação. Sei que ele consegue a ajuda de pessoas bondosas que o socorreram, até de um garoto que tem um ‘super sopro’ e com este ‘super fôlego’, eles vão conseguir voltar de balão para o Norte.

Até hoje me emociono muito ao recontar essa trama que dei a interpretação de uma parábola. O Cristo ensinava por meio de parábolas, a do Filho Prodígio é perfeita e me ensina quase diariamente. A do boneco de neve aprendi a duras penas, pois algumas vezes, iludido pelos brilhos equivocados de determinadas situações, me afastei de mim mesmo e acabei perdido.

Sorte que sempre existem pessoas que Deus nos coloca no caminho para nos lembrar de quem realmente somos, de onde viemos, para onde iremos e porque vivemos. Muitas histórias tristes acabam se transformando em literatura, em música e em poesia. Semear a vida é também colher aprendizagem. E viver, invariavelmente, não tem como só escolher a parte boa, a parte onde não há sofrimento, nem solidão e nem dor.

O nosso enredo concentra riso, alegria e felicidade sim, contudo vivemos dissabores e tristezas, partidas e muitas perdas. Talvez aquele menino da infância do final dos anos de 1980 ao se emocionar com a inocência que levou o boneco de neve a quase sofrer o descongelamento, possa estar hoje aprendendo algo alusivo ao que “nem tudo aquilo que reluz, é ouro”. Antes de terminar a crônica ainda fiz, sem sucesso, mais uma pesquisa para saber o nome desta animação do bonequinho de neve. Não achei o nome, prometo não desistir da busca.

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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (Mustache Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), ramonimprensa@gmail.com.

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Não, não esqueci nada https://marilianoticia.com.br/nao-nao-esqueci-nada/ Fri, 27 Sep 2024 12:33:49 +0000 https://marilianoticia.com.br/?p=609141 O título desta crônica seria outro. A proposta seria algo em torno de: “Por favor, respeite a minha ficção”. No fundo, o substantivo feminino “ficção” seria substituído por um parecido, porém, como gosto de divagar com a criação literária, preferi deixar a referência a arte de recriar a realidade. “Por favor, respeite a minha forma […]

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Capa de Frankenstein, obra de Mary Shelley (Imagem: Divulgação)

O título desta crônica seria outro. A proposta seria algo em torno de: “Por favor, respeite a minha ficção”. No fundo, o substantivo feminino “ficção” seria substituído por um parecido, porém, como gosto de divagar com a criação literária, preferi deixar a referência a arte de recriar a realidade.

“Por favor, respeite a minha forma de recontar, a minha forma de reconstruir a minha própria realidade”. Este é, literalmente, o clamor de uma personagem que me incomoda, e muito. Esta personagem está no romance que escrevi fora do Brasil, no ano de 2022, “Dias de pães ázimos”. É mulher, linda balzaquiana, e após um hiato de décadas, reencontra o personagem-principal, contudo abandona-o numa estação.

Personagens que me incomodam na minha própria ficção não são raros assim. “Pierrô”, o serial-killer de “A próxima Colombina”, ainda me dá medo. Não foram raras as vezes que minha ex-mulher, sentindo a minha falta no quarto altas horas da madrugada, no início dos anos 2000, entrava sorrateira no escritório e me via escrevendo no computador e exclamava: “Ramon, está trabalhando até agora?!”. E eu, que estava no meio de uma cena onde o “Pierrô” estava fazendo vítimas, quase sofria um infarto de tamanho susto. E dizia: “PQP, vai assustar outro! Tô aqui no meio de uma cena de medo e você aparece do nada!”. Ria muito com isso depois.

Um dos mambembes gêmeos de “Canavial” também me assusta. Ele só usa paletó xadrez e é ventríloquo, quando conversa com as pessoas não usa a própria voz, e sim a voz de “Pinóquio”, seu boneco e fiel escudeiro.

Em “Três minutos”, um microconto onde descrevo uma visita incomum, o ser que entra no quarto e começa a conversar com o personagem, que está olhando para uma tela que traz as reproduções das pirâmides maias, me tira o sono. Não é porque sou o autor destes personagens esdrúxulos que tenho que ter empatia por eles.

Outro dia topei com uma colega de trabalho lendo “Frankenstein” de Mary Shelley e, nesta trama, o personagem Victor Frankenstein abomina o ser que ele próprio criou, o tratando de “coisa”, nem ao menos lhe dando a dignidade de um nome. E se me perguntarem então, por que você dá vida, ainda que na ficção – onde tudo existe, acontece e se desenrola plenamente – para estas criaturas inomináveis?

Bom, esta é uma das funções de um escritor: criar, ainda que esta criação não seja agradável, mas que traga a natureza humana, e dentro do enredo sirva para algo. Um “pé na bunda”, na vida real, desencadeia um poema, uma sinfonia ou até um longa.

O cineasta francês Jean-Luc Godard (1930-2022) ensinava que tudo o que você precisa para fazer um filme “é uma mulher e uma arma”. Não esquecer de nada, para alguns – e eu me incluo neste grupo – também serve para fazer um filme ou escrever um romance.

Então, aquela amargura que determinada pessoa lhe plantou no passado, no meu caso, é frutificada em cenas de HQs, trechos ficcionais de contos e em histórias literárias. Afinal, o objeto de muitos escritores nada mais é do que a sua própria vida. E na ficção, assim como na vida, existem aquelas pessoas que amamos, sentimos falta, odiamos e as que jamais esqueceremos.

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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (Mustache Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), ramonimprensa@gmail.com.

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A foto que enfrenta a guerra https://marilianoticia.com.br/a-foto-que-enfrenta-a-guerra/ Fri, 13 Sep 2024 10:00:00 +0000 https://marilianoticia.com.br/?p=604662 Vem de Gaza, no Oriente Médio, uma foto que me comoveu muito. O registro fotográfico foi feito pelo jornalista Ramadan Abed, da Reuters, correspondente no conflito entre o exército de Israel e os milicianos do Hamas (fortemente concentrados nesta faixa territorial que desde outubro passado é palco de violência, atrocidades e mortes). Uma criança, ao […]

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Foto de Nick Ult pôs fim ao insano conflito no Vietnã (Foto: Nick Ult)

Vem de Gaza, no Oriente Médio, uma foto que me comoveu muito. O registro fotográfico foi feito pelo jornalista Ramadan Abed, da Reuters, correspondente no conflito entre o exército de Israel e os milicianos do Hamas (fortemente concentrados nesta faixa territorial que desde outubro passado é palco de violência, atrocidades e mortes). Uma criança, ao que tudo indica uma menina de uns três anos de idade, de óculos, de touquinha, recebe uma dose da vacina contra a poliomielite.

Um ato que aqui para nós brasileiros é tão singular, comum, o de levar uma criança menor de cinco anos para se imunizar contra uma doença prejudicial, entretanto em áreas de conflitos, este ato converte-se numa operação de guerra, literalmente.

Neste distrito em Gaza, onde o repórter Ramadan realizou a cobertura jornalística, 187 crianças – entre elas a pequena de óculos – conseguiram receber a imunização contra a pólio. A cena me comoveu muito justamente porque uma criança deve ter o direito à infância assegurado em qualquer lugar do mundo, tanto aqui no Brasil quanto na Faixa de Gaza ou nos bairros de Jerusalém e nos pampas da Argentina. Criança é criança em qualquer lugar desta Terra.

Recordo que justamente por uma foto – de uma menina também – feita em 1972 pelo repórter-fotográfico Nick Ult pôs fim ao insano conflito no Vietnã. A guerra, que havia iniciado na década de 1950, custou bilhões para os Estados Unidos (sepultou com a carreira política do presidente Richard Nixon, diga-se de passagem) e limitou os sonhos de gerações de americanos e de vietnamitas. A foto da menina do napalm, totalmente indefesa, com os braços abertos, correndo para o nada, onde nem poderia estar protegida, abalou o globo. O pânico de Phan Thi, aos nove anos naquele junho de 1972, traduziu o que o mundo pensava do embate.

Criança recebe dose conta a poliomielite (Foto: Ramadan Abed/Reuters)

Pode ser que a ternura e a inocência captadas por Ramadan Abed na garota sendo vacinada em Gaza não tenham o mesmo efeito nas mentes que decidem o mundo, entretanto, seu recado foi muito bem dado: a vida pulsa e precisa de esperança nos mais remotos lugares deste mundo.

E um jornalista precisa estar ali para que a mensagem possa chegar à opinião pública. A opinião pública, por sua vez, esta sim, tem total capacidade de reverter cenários, transformar vidas e sim, colocar fim à insanidade de uma guerra. A opinião pública, movida por uma foto, colocou um ponto final em muitos conflitos e continuará fazendo isso.

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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (Mustache Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), ramonimprensa@gmail.com.

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Tente a maçã https://marilianoticia.com.br/tente-a-maca/ Wed, 14 Aug 2024 10:00:00 +0000 https://marilianoticia.com.br/?p=597735 Volto ao tema Raul Seixas por dois importantes motivos: suas músicas ainda dialogam com várias etapas da minha vida e pela proximidade dos 35 anos de sua partida terrestre. Raul embarcou para fora do combinado – como Rolando Boldrin dizia sobre quem nos deixava – em 21 de agosto de 1989. Já relatei sobre a […]

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Volto ao tema Raul Seixas por dois importantes motivos: suas músicas ainda dialogam com várias etapas da minha vida e pela proximidade dos 35 anos de sua partida terrestre. Raul embarcou para fora do combinado – como Rolando Boldrin dizia sobre quem nos deixava – em 21 de agosto de 1989.

Já relatei sobre a minha experiência em frente ao edifício Aliança, no ‘baixo’ Augusta (São Paulo), em uma crônica anterior, contudo, as mensagens de Raul me inspiram para esta crônica. ‘Tente outra vez’ e ‘A maçã’ são as duas canções que, na recente contemporaneidade da minha existência, me alicerçam a não sofrer mais.

Mantra da resiliência, ‘Tente outra vez’ me persegue desde quando não ia bem nas provas de matemática e, nervoso pelos números e equações embaralharem o meu cérebro, colocava a K7 do meu irmão no toca-fitas do quarto, e lá ia estudar as intermináveis apostilas da saudosa professora Mara. ‘A maçã’, de sentido mais complexo, me auxiliou – e ajuda – a compreender determinadas situações da nossa existência. Situações, estas, inclusive, bem mais complexas e muito mais intrincadas, espinhosas, do que as tarefas de matemática do ginásio.

Juntei as duas músicas e saiu o título: ‘Tente a maçã’. A maçã tem sua relevância na história da humanidade. Foi por uma delas que Adão e Eva receberam a expulsão do paraíso. Teria sido uma maçã que despertou Isaac Newton para uma compreensão maior, a da gravidade. A de que tudo que sobe, desce. E se tudo que sobe, desce, obviamente tudo que nasce, morre. Mas os meus poetas concretistas me ensinaram a ir além: nascerenascerenasceenasce.

Haroldo de Campos reconstrói cada palavra neste ato contínuo de estar sempre recomeçando. Uma das filhas de Raul Seixas, a Vivi Seixas, fez uma declaração muito precisa sobre o pai: ele estaria mais vivo do que muitos vivos aqui estão. Raul Seixa é vivo porque suas palavras ainda ecoam sentimentos, relatam mensagens, amor e ensinamento, além da verdade. Ainda que o poeta possa fingir a própria dor, a dor que sente, mas a dor existe e isto sim é uma verdade.

Em muitas fases de nossas vidas a dor – assim como a maçã – está presente. Dostoiévski, o grande escritor russo, ensina que para se escrever bem, primeiro é preciso sofrer. O sofrimento em forma de dor, ou de maçã, é um grande professor – ou professora – e para poetas, como Raul Seixas, Haroldo Campos e Rolando, dissabores e desenganos são traduzidos em mensagem de perseverança (‘Tente outra vez’) e em compreensão do próximo (‘A maçã’). Por isso, tentamos a maçã, sempre.

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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (Mustache Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), ramonimprensa@gmail.com.

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Cada pessoa é um livro https://marilianoticia.com.br/cada-pessoa-e-um-livro/ Fri, 02 Aug 2024 10:00:00 +0000 https://marilianoticia.com.br/?p=594719 O meu filho caçula, o Gustavo está com 13 anos, e sempre me viu lendo. Lembro que quando entrevistei o professor Pasquale Cipro Neto, aqui em Marília, durante uma feira do livro do colégio Cristo Rei, perguntei sobre como cultivar o hábito de ler nas pessoas. E ele me respondeu que, um pouco disso – […]

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(Imagem: Divulgação)

O meu filho caçula, o Gustavo está com 13 anos, e sempre me viu lendo. Lembro que quando entrevistei o professor Pasquale Cipro Neto, aqui em Marília, durante uma feira do livro do colégio Cristo Rei, perguntei sobre como cultivar o hábito de ler nas pessoas. E ele me respondeu que, um pouco disso – do hábito da leitura – a gente pega dos nossos pais, tios e avós. De fato, recordo que minha mãe, que lecionou a vida toda, costumava ler em seu quarto, deitada na cama e com seus óculos redondos. Eu e meus irmãos zombávamos dela, dizendo que ela ficava com cara de vó de desenho animado. Tadinha, na época ela nem tinha 40 anos e só foi ser avó bem depois daquele tempinho bom.

Gustavo leu recentemente como tarefa escolar o clássico distópico ‘Fahrenheit 451, do norte-americano Ray Bradbury, onde cada pessoa é um livro num futuro onde a própria sociedade construiu sua autopunição. Ler, lá naquela história, era um perigo. Ler romance, então, meu Deus do céu, era a própria sentença de morte. “Fahrenheit 451’, em rápidas palavras, trata de um futuro onde os livros têm que ser queimados a temperatura de 451 graus fahrenheit. Para mantê-los vivos cada subversivo precisaria decorar uma toda uma trama, uma narrativa completa, e aí, secretamente, transmiti-las pela oralidade em encontros secretos. Tais encontros ocorriam em pontos afastados, idênticos aos primeiros cristãos que rezavam em locais remotos ou nos subterrâneos das cidades antigas.

Desde que conheci esta trama, na época da faculdade de Jornalismo, na Universidade de Marília (Unimar), passei a imaginar qual livro eu seria se vivesse naquela distopia. De pronto eu seria um livro de um autor brasileiro, até porque não poderia deixar que a literatura praticada no Brasil fosse simplesmente queimada sem deixar vestígios. ‘Madona dos Páramos’, de Ricardo Guilherme Dicke, eu seria sem o menor problema. ‘Grande Sertão: Veredas’, do Guimarães Rosa, ‘O gosto da guerra’, do José Hamilton Ribeiro, ou ‘Sertão de Sangue’, de Romulo Nétto, me rondam neste exercício de preservação da lavra dos colegas autores. ‘Zezinho, o dono da porquinha preta’, de Jair Vitória, ou ‘O feijão e o sonho’, do Orígenes Lessa, vão completando esta ampla e saborosa lista.

Recentemente, assisti a uma entrevista do jornalista e escritor Eric Nepomuceno, onde ele relata a sua amizade ‘mafiosa’ com o Nobel de Literatura, Gabriel García Márquez, colombiano autor de ‘Cem Anos de Solidão’ e de ‘O amor no tempo do cólera’, entre outros romances perfeitos. Gabo tinha uma escala hierárquica dos amigos: amigos, amigos do coração, amigos de alma e a máfia. Esta última escala era dedicada a poucos, e, por sorte o brasileiro Eric foi alçado a ela.

Os livros são amigos dos leitores, entretanto, ler livros e não ter com quem compartilhar do que se aprendeu, não faz qualquer sentido. Por isso, no universo onde cada pessoa é um livro, entendo que este livro deve sempre estar aberto, para que respostas possam ser encontradas. E os amigos, muitas vezes, nos respondem apenas com o seu silêncio. Sobre qual livro seria em ‘Fahrenheit’, confesso que ainda não me decidi. Pode ser que ainda vou ler – ou até escrever – o livro que poderia vir a ser lá.

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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (Mustache Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), ramonimprensa@gmail.com 

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Pitoco, Baleia, Achado e Pituco https://marilianoticia.com.br/pitoco-baleia-achado-e-pituco/ Wed, 17 Jul 2024 19:50:47 +0000 https://marilianoticia.com.br/?p=590547 ‘Pitoco era um cachorrinho, que ganhei do meu padrinho, numa noite de Natal’. Era assim que meu pai tentava lembrar um verso de uma moda antiga, declamada por Rolando Boldrin (1936-2022). ‘Era esperto, bem ativo, tinha dois olhos bem vivos, saltando de lá para cá’. Confesso que o cachorrinho que conheci que mais se aproximou […]

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Pituco se transformou no primeiro cãozinho super-herói de Marília (Arte: Divulgação)

‘Pitoco era um cachorrinho, que ganhei do meu padrinho, numa noite de Natal’. Era assim que meu pai tentava lembrar um verso de uma moda antiga, declamada por Rolando Boldrin (1936-2022). ‘Era esperto, bem ativo, tinha dois olhos bem vivos, saltando de lá para cá’. Confesso que o cachorrinho que conheci que mais se aproximou de Pitoco, se chamava Pituco. Fiel amigo do Tiago de Moraes, criador da franquia de HQ ‘Radius’ (Mustache Comics), Pituco se transformou no primeiro cãozinho super-herói de Marília.

Nos gibis, Pituco ganhou ares de cowboy dos filmes de faroeste que assistia ao lado do meu pai. Quando fui chamado para o projeto ‘Radius’, lançado em julho de 2022, auxiliei na composição do perfil de alguns personagens e, quando me deparei com o comportamento do verdadeiro Pituco, só me veio o histórico bandido do velho oeste americano, Billy The Kid, principalmente na interpretação deste ícone do bang-bang feita pelo cantor de country Kris Kristofferson, no longa dirigido por Sam Peckinpah e com trilha sonora de Bob Dylan.

Não à toa, no primeiro quadro de ação de Pituco – já o cão humanóide da Marília do futuro – ele gira as pistolas de laser e manda fogo contra o Major Pimã. Por pouco, não derruba o vilão logo na primeira cena de combate. Na Bíblia, Davi não pensou duas vezes em mandar uma pedra bem na testa do gigante Golias. Assim, também idealizei a reação do fiel escudeiro de Radius. Dias atrás, vejo um story do Tiago, Pituco – o real – estava desaparecido. Horas depois, a notícia: o cãozinho morreu atropelado.

Se foi o verdadeiro Pituco e a tristeza em Tiago ficou evidente. Mas os heróis não morrem! Nem o Pitoco, do poema-canção de Abílio Victor e Nhô Bentico, declamado por Boldrin, nem o Pituco super-herói e muito menos a Baleia, de ‘Vidas Secas’, de Graciliano Ramos. Quem passou pelas páginas de ‘Vidas Secas’ sabe o quanto Baleia é importante na estrutura da família de Sinhá Vitória, Fabiano e os dois meninos. Muitas vezes, Baleia chega a ser mais humana dos que os próprios humanos daquele agreste brasileiro descrito pelo grande mestre Graciliano.

Em ‘A jangada de pedra’, de José Saramago, há um cão que acompanha as personagens e em ‘Ensaio sobre a cegueira’, também de Saramago, em determinado momento um cachorro se aproxima da Mulher do Médico e seca suas lágrimas, e é chamado de ‘o cão das lágrimas’. Já derramei muitas lágrimas pelos meus animais de estimação que partiram: o vira-latinha Bumerangue – nome extraído de um faroeste, por sinal – a cadela Bandeira – a vira-lata que achava que eu era sua cria também – a doberman Alfa e sua neta, Hera. Tive um Achado, nome inspirado no personagem de ‘A Caverna’, livro de Saramago.

Pitoco, Baleia, Achado e Pituco, são encarnações de amores verdadeiros, assim como está na declamação de Boldrin: ‘E neste mundo tão oco, onde os amigos são pouco, nunca mais tive outro iguá’. Valeu Pituco (04/2020-07/2024)!

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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (Mustache Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), ramonimprensa@gmail.com

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Foi ele quem trouxe: a trajetória de Nhô Pai https://marilianoticia.com.br/foi-ele-quem-trouxe-a-trajetoria-de-nho-pai/ Wed, 05 Jun 2024 14:23:03 +0000 https://marilianoticia.com.br/?p=580063 O compositor e cantor João Alves dos Santos entrou para a história da música popular brasileira ao assinar um dos maiores clássicos da moda caipira: ‘Beijinho Doce’. Gravada pela primeira vez em 1945, ‘Beijinho Doce’ seria regravada por inúmeros artistas e, na década seguinte, incluída na trilha sonora do filme nacional ‘Aviso aos navegantes’, uma […]

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O compositor e cantor João Alves dos Santos entrou para a história da música popular brasileira ao assinar um dos maiores clássicos da moda caipira: ‘Beijinho Doce’. Gravada pela primeira vez em 1945, ‘Beijinho Doce’ seria regravada por inúmeros artistas e, na década seguinte, incluída na trilha sonora do filme nacional ‘Aviso aos navegantes’, uma produção da extinta Atlântida. O que poucas pessoas sabem é que João Alves dos Santos, que artisticamente se apresentava com o nome artístico de Nhô Pai, nasceu e morreu na mesma cidade: Paraguaçu Paulista, localizada a 80 quilômetros de Marília.

O artista veio ao mundo em 28 de março de 1912, em Paraguaçu Paulista, numa época em que a cidade ainda era um patrimônio e não havia sido emancipada, o que só viria acontecer na década de 1920. Aliás, Paraguaçu está para completar 100 anos – o centenário será em 12 de março do próximo ano, 2025. Nhô Pai, por coincidência do destino, se despediu deste mundo num 12 de março, ou seja, numa data em que sua cidade celebrava aniversário. Isso foi no ano de 1988. 

Conheci pessoas lá de Paraguaçu – que, por sinal, também é minha cidade-natal – que conheceram Nhô Pai e conviveram com ele na mesma vizinhança. Ainda que tivesse 9 anos quando da sua partida eu não tive contato com esse poeta, mas tive contato e fiz questão de conhecer duas grandes intérpretes de ‘Beijinho Doce’ que também são de Paraguaçu Paulista, as Irmãs Galvão. Estive com as minhas conterrâneas anos atrás, num 12 de março, antes delas subirem ao palco montado na fonte luminosa. Simpáticas e carinhosas, Marilene e Mari Galvão me atenderam no hall de entrada do hotel da avenida Paraguaçu. Conversamos sobre música caipira e sobre grandes compositores, inclusive José Fortuna e Nhô Pai.

O autor de ‘Beijinho Doce’ assinou outras composições que marcaram época, inclusive se tornou um dos primeiros poetas caipiras a introduzirem hábitos urbanos nas letras sertanejas, a exemplo de partidas de futebol e questões nacionais. Escreveu canções com grandes parceiros, a exemplo de Mário Zan e Raul Torres, dois grandes ícones da moda caipira. Chegou a fazer incursões pelo Brasil de dentro em cima de carro-de-boi, esteve na fronteira com o Paraguai. Foi também parceiro de palco de Tonico, da dupla Tonico e Tinoco.

Três décadas após a primeira gravação de ‘Beijinho Doce’, em 1976, Nalva Aguiar – até então uma cantora pop da Jovem Guarda – interpreta os versos que dizem ‘Foi ele quem trouxe…’ e a canção volta a ser sucesso nacional e marca o ingresso da artista no estilo sertanejo. Entre 2008 e 2009, ‘Beijinho Doce’, do paraguaçuense Nhô Pai voltou a ser sucesso nacional, pois era a música-enredo da dupla formada pelas atrizes Cláudia Raia (Donatela) e Patrícia Pillar (Flora), na novela ‘A Favorita’, da rede Globo. A novela, escrita por João Emanuel Carneiro, teve quase 200 capítulos, e foi sucesso de audiência na época.

Ou seja, 30 anos depois da despedida do seu compositor, ‘Beijinho Doce’ voltou a ser descoberto pelo grande público. E é esse um dos principais efeitos da arte, da cultura, e do fazer artístico: perpetuar na sociedade tudo aquilo que nos deixa mais leve.

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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (Mustache Comics/LM Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), ramonimprensa@gmail.com.

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Por dentro https://marilianoticia.com.br/por-dentro/ Wed, 29 May 2024 10:00:00 +0000 https://marilianoticia.com.br/?p=578281 Raramente um jornalista ou um escritor, ou qualquer pessoa que se coloque a escrever algo sobre aquilo que lhe tocou, direciona a escrita para alguém. Exceto quando se trata de uma carta, um e-mail ou aquelas mensagens do correio elegante das festas juninas e das quermesses, tão típicas desta região do Estado de São Paulo. […]

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Cartaz de filme estrelado por Willem Dafoe (Imagem: Divulgação)

Raramente um jornalista ou um escritor, ou qualquer pessoa que se coloque a escrever algo sobre aquilo que lhe tocou, direciona a escrita para alguém. Exceto quando se trata de uma carta, um e-mail ou aquelas mensagens do correio elegante das festas juninas e das quermesses, tão típicas desta região do Estado de São Paulo. Aliás, carta escrita à mão e bilhetinhos românticos são, literalmente, coisas do passado. Quase ninguém mais se corresponde por papel e remetente. Hoje tudo é no direct, no ‘zap’, e se o sujeito não enviar a foto do lugar em que está, a pessoa lá do outro lado do smartphone desconfia que esteja mesmo é em outro lugar menos convencional. Ah, tempos das chamadas de vídeo!!!

Então, como estava dizendo, dificilmente um jornalista ou um escritor quando se põe em marcha para redigir um texto para o público em geral, o faz pensando especificamente em alguém. Comigo é assim, pode haver colegas que redigem direcionando para determinadas pessoas, seja em forma de recado – às vezes ácidos – ou mensagens explicativas, pedidos de desculpas ou instâncias para reconciliação. Soube outro dia que ‘Grito de Alerta’, a música composta por Gonzaguinha, surgiu após uma conversa com Agnaldo Timóteo. Mas quando Gonzaguinha concluiu a letra e a composição musical, ao invés de deixar o amigo que lhe revelou segredos para que surgissem os versos como ‘São tantas coisinhas miúdas roendo, comendo, arrasando aos poucos o nosso ideal’, passou a letra de mão beijada para Maria Bethânia. Fez bem. Mesmo Timóteo esperneando, pois a Bethânia interpretou a canção com a isenção necessária e a tratando como arte, e não como desabafo ou recado.

E é sobre a arte que quero escrever e, em forma de crítica direcionada para que o meu filho caçula, o Gustavo Eduardo, de 13 anos, possa ler e compreender o que ele chamou de ‘angustiante’ e ‘dá falta de ar’ ao conferir as cenas iniciais e o resumo de ‘Dentro’ (Inside, 2023), um dos 130 filmes estrelados pelo magnífico ator Willem Dafoe – o Jesus, de ‘A última tentação de Cristo’, o Elias, em ‘Platoon’, ou o Duende Verde na retomada da franquia do Homem-Aranha no início dos anos 2000.

Dafoe, que é nascido no mesmo ano da minha mãe, 1955 – e eu sempre comparo as datas de nascimento dos astros de Hollywood com as pessoas da minha família, assim o diretor Clint Eastwood tem a mesma idade do que a minha vó Luiza, ambos são de 1930 e estão prestes a completar 94 anos – vive Nemo, um ladrão de arte que invada um senhor apartamento na poderosa Manhattan, onde vivem 1,6 milhão de pessoas e onde pulsa o coração financeiro dos EUA. Entretanto, na sanha de levar telas caríssimas, alguma coisa dá errado e se vê preso numa imensidão de concreto, pouquíssimos recursos essenciais, mas alta tecnologia e rodeado do que há de mais sofisticado em termos de artes plásticas e arte contemporânea. Ornamentos que não têm quaisquer funcionalidades quando a realidade se impõe em sua forma mais crua, ou seja, quando a fome bate forte à boca do estômago e no desespero da mente. Assim, um aquário que beira a perfeição só servirá mesmo de tanque para extrair a proteína necessária para uma refeição cotidiana.

Todavia, ‘Dentro’ (Inside, 2023) não é o que parece, um filme sobre a sobrevivência ao estilo do reality-show ‘Largados e Pelados’ no ambiente urbano ao invés da hostilidade de uma natureza inóspita e remota. Seu enfoque é mais para um diálogo propositivo sobre a função da arte na nossa vida, a necessidade da criação, mas como uma forma de redenção contra a ansiedade de que um dia iremos, de fato, morrer, e não mais existir por aqui. O mundo seguirá sem as nossas marcas, sem os nossos feitos e sem a gente mesmo. É por isso que Nemo – e Dafoe esteve na animação ‘Procurando Nemo’, de 2003, dando vida e voz a Gill, o líder do aquário salgado que recebe o filhote de peixe-palhaço capturado pelo dentista – o ladrão de arte recria, com os elementos que vai encontrando, uma torre ‘de Babel’. Destrói uma cama, para utilizar as tiras do estrado como amarras de uma coluna ‘de Adriano’, e nesse processo de desconstruir para construir, os pés da cadeira se transforma numa chave-de-boca, a requintada banheira, em vaso sanitário acumulador de excremento e as paredes em telas para desenhos rupestres à carvão.

Penso, para finalizar, que a proposta do diretor grego Vasilis Katsoupis, de 47 anos, é levar o público a refletir sobre a definição de arte dita pelo seu conterrâneo, mas lá da Grécia Antiga, Aristóteles. O pensador definiu a arte como imitação da natureza humana e, Nemo, ou Dafoe, ao longo de 100 minutos deste longa, contorna com humanidade, com DNA, a fria e distante arte que iludia o requintado morador do imóvel, que vira cela.

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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (Mustache Comics/LM Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), ramonimprensa@gmail.com.

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