Só que não é isso que a gente quer
Na corrente intempestiva das notícias intermináveis da política nacional, ficamos perdidos procurando quais as pedras que iremos agarrar para sobreviver em meio à turbulência midiática.
A enorme sensação de insegurança que vive a sociedade é fato, e é no bolso que a grande maioria da população sente o impacto da falta de investimentos e da incerteza na economia. Desemprego crescente, falta de perspectivas, aumento da criminalidade, é o cenário que se apresenta.
Se no censo de 2010, 31% da população da nossa cidade vivia com menos de meio salário mínimo, quantos serão agora? Esta é a nossa agenda, encarar o fato que somos um país que precisa de solução para acabar com a miséria e a exclusão.
Se a tendência de alguns é exacerbar os radicalismos de direita, a de outros é de deslegitimizar os discursos de ódio. E é compreensível.
Propostas de exclusão social, corte de subsídios que tiraram milhões da miséria extrema, de corte de direitos civis, e até mesmo a regressão à um delírio de morte contra o estado laico não são a agenda de um futuro.
Até a nostálgica visão surtada da volta de uma ditadura militar que na surda imaginação de alguns era pura e incorrupta aparece no horizonte. O fato é que o período autoritário foi o nascedouro das práticas hoje disseminadas de corrupção das grandes empreiteiras, acobertadas violentamente em um regime de exceção.
A ditadura é a cobra que morde o próprio rabo. A onda conservadora que aparentemente iria avançar pelo mundo já encontrou a praia onde morre, o populismo tardio e esvaziado de uma política cada vez mais regida pelo grande capital e cada vez menos pelos políticos.
Ao largo, se os discursos de ódio nos parecem de tudo menos o exercício da política, as suas causas não podem ser ignoradas. É legítima a revolta contra a corrupção, é legítima a indignação contra a falta de autocrítica de um partido que insistia na retórica da credibilidade e da transformação social.
É legítima a repulsa a um projeto que se dizia popular quando fabricava verdadeiras máquinas sugadoras de capital público e concentrava amplos recursos do BNDES em gigantescos projetos de natureza privada evidenciando a disparidade de acesso à crédito que deveria estar disponível para o empreendedorismo renovador e para a infraestrutura necessária à uma política de desenvolvimento sustentável. O sentimento de indignação é legítimo, já a resposta pelo caminho do autoritarismo é oportunista.
Ainda assim, se o discurso de ódio, proferido por alguns políticos na onda da indignação popular nos parece oportunista e leviano, este não é o seu pior aspecto.
O discurso de ódio nos leva a um jogo estreito de respostas para problemas complexos que só a força das instituições, através do aprofundamento da democracia, do fim do foro privilegiado e do financiamento privado, dos aprimoramento dos mecanismos da participação e controle social podem oferecer.
Nos parece inevitável que encaremos esse desafio perene que é a construção democrática. Cansados que estamos dos escândalos diariamente estampados na imprensa, ainda assim teremos que suportar o fardo de decidirmos nosso próprio destino.