Quer fazer algo diferente? Trabalhe no óbvio
A falência do atual modelo de política, antes de tudo, deve se apresentar como uma oportunidade.
Se alguma coisa pretende existir de diferente, com certeza deve partir da noção de que os modelos atuais de representação e governança estão esgotados.
Em alguns meses já notamos que o atual governo federal não tem nenhuma solidez na população, mas por que afinal, diferente do governo Dilma, este governo não cairá? A resposta vem através de uma nova pergunta:
Você se sente representado?
A resposta está no nosso sistema de participação. O atual sistema proporcional faz com que apenas alguns deputados se elejam com seus próprios votos, e grande parte, devendo favores a quem bancou suas campanhas, se sinta mais obrigada a prestar conta aos investidores do que à população.
De acordo com o próprio site do Senado:
Sete de cada dez deputados federais eleitos receberam recursos de pelo menos uma das dez empresas que mais fizeram doações eleitorais em 2014. Os top 10 doadores contribuíram financeiramente para a eleição de 360 dos 513 deputados da nova Câmara: 70%. É uma combinação inédita de concentração e eficiência das doações por parte das contribuidoras.
No entanto, não basta apenas mudar o sistema. O envolvimento das pessoas com a política formal é essencial. Toda mudança vem a partir da mobilização social e nós não estamos nos envolvendo o suficiente.
Muitas vezes somos empurrados para fora da política ou decidimos simplesmente não nos envolver. Um cansaço toma conta ao observarmos as discussões e o baixo nível nas redes sociais, em discussões intermináveis nos grupos de WhatsApp e agressões sem fim. Se esquecem que:
A política é a arte da diversidade de opiniões em torno do bem comum.
Mas a persistência é necessária. O livro “Sobre a Tirania”, de Timothy Snyder, nos fala das armadilhas armadas pela alienação. Se em algum momento as instituições forem abandonadas em pró de um discurso de ódio, também a busca pela verdade será definitivamente absorvida pelo espetáculo. O espetáculo é composto de cenários fabricados, fake news, todo tipo de mentira que é convenientemente aceita.
Abandonamos a nós próprios quando não verificamos os fatos. Abandonamos também a nossa perspectiva de futuro.
E de qual futuro falamos? Ítalo Calvino, renomado escritor italiano, em sua ampla reflexão sobre quais lições deixaria para este milênio que vivemos, listou algumas das qualidades que poderíamos nos refletir:
Tais qualidades na política só são possíveis se a primeira permite que as demais se expandam. Não há como as demais qualidades serem possíveis sem a primeira.
E não tem como a primeira aparecer sem abandono, sem o peso dos impulsos autocentrados.
Listo aqui estas qualidades e relaciono com o que aspiramos que a política se torne. Que seja, antes de tudo, uma política do cotidiano, da vida.
- Leveza: podemos aqui falar em agilidade; simplicidade de procedimentos. Objetividade, foco no que fazemos
- Velocidade: necessidade de objetividade, com clareza de motivação, razão e missão clara.
- Exatidão: reconhecimento do território de atuação, profissionalismo, empenho, disciplina de intenção.
- Visibilidade: necessitamos de transparência, accountability, que tenhamos clareza onde estamos, no que queremos.
- Multiplicidade: diversidade, abertura e democracia, expectativa de abertura, e multicentralidades; a perspectiva de que são muitos os centros, e que a inclusão seria o reconhecimento de que o centro está em todo lugar.
- Consistência: persistência, continuidade, ideologia, fidelidade.
Para finalizar, lembro duas máximas para uma reflexão que, afinal, se situa em torno do óbvio:
- Envelhece quem reclama mais do que sonha.
- Quem não gosta de política será governado por ela.